domingo, 10 de março de 2013

O mito da caverna e o feminismo

Eu tive uma única disciplina de filosofia na faculdade - e na vida. Se chamava Introdução ao Pensamento Filosófico e Científico e era um saco. Primeiro porque uma das aulas era às sete da manhã de terça (a única aula que tínhamos as sete da manhã, o único dia que eu tinha que acordar mais cedo). Segundo porque a outra aula tomava toda a tarde de sexta. Sabe, tarde de sexta, aquelas horas em que a única coisa em que você pensa é que quer que acabe logo pra chegar o fim de semana? Pois é. Por último, mas não menos importante, porque era uma aula chata de filosofia.
De tudo o que lemos em sala naquele semestre, eu me lembro de duas coisas: uma, de que "o ser é e não pode não ser, enquanto o não ser não é e não pode ser de forma alguma". O nome do filósofo eu tive que procurar no Google: Parmênides de Eléia. Eu nunca entendi exatamente o que ele quis dizer ou a que se aplica, pra falar a verdade, mas decorei a frase porque achei divertida a forma como ela não fazia nenhum sentido na minha cabeça.
A segunda coisa é legal, é de Platão (mas eu tive que procurar isso no Google também, porque não lembrava): O Mito da Caverna (ou a Alegoria da caverna). Resumindo a grosso modo, ele compara a humanidade a um grupo de pessoas acorrentadas, desde a mais tenra infância, no fundo de uma caverna, olhando para a parede. Tudo o que elas sabiam do mundo fora da caverna, eram as sombras que se formavam na bendita parede. Do lado de fora, escravos carregavam, para lá e para cá, sobre os ombros e por detrás de um muro, vasos, trouxas, estátuas, whatever... E, assim, essas pessoas no fundo da caverna, que só viam sombras, acreditavam que fora dali viviam serem gigantes, de formas estranhas, blá, blá, blá. Até que um dia, um desses acorrentados consegue sair da caverna e vê que não era nada disso. E volta para contar aos demais, que, claro, não acreditam nele.
Esse cara era o filósofo. E, segundo Platão, sua missão era justamente esclarecer a sociedade sobre assuntos que ela desconhecia, e de que ele, como estudioso e iluminado, já tinha compreensão.
(E que me perdoe meu professor de filosofia se eu entendi tudo errado)
Resumindo a mais grosso modo ainda: é Matrix, minha gente! E tipo "Matrix A.C."
E porque eu estou falando disso agora? Porque eu fico seguindo esses blogs de feminismo e tem sempre um mala pra dizer um "mas e as mulheres que querem ficar peladas na TV? Vocês estão dizendo que elas não têm direito? E as que querem casar com o cara que as trata mal? Não podem mais escolher? E as que querem fazer tudo isso o que vocês lutam contra? Cadê o livre arbítrio?" (chaaatos)
A resposta é simples: Mito da caverna. A gente adoraria que todas as mulheres tivessem a consciência de que não precisam aceitar certos tipos de coisa, que todas pensassem que vale a pena ser mais do que mais uma bunda na TV, que todas aquelas que querem emagrecer ou alisar o cabelo apenas para se encaixar nos padrões de beleza impostos pela mídia se assumissem baixinhas, gordinhas, cacheadas e felizes, e que a mídia fosse simplesmente obrigada a pensar em produtos para atendê-las, em vez de obrigá-las a atender aos produtos que a mídia quer vender. Mas principalmente, a gente adoraria que elas fizessem suas escolhas conscientemente, e que fossem respeitadas por isso.
Mas tem gente, homem e mulher, que ainda está lá no fundo da caverna, olhando pra parede. Tem mulher que julga mulher como se fosse homem, e machista. Tem gente que ainda culpa a mini saia da menina pelo estupro. Tem gente que me diz que ensinar a escovar os dentes é tarefa da mãe, necessariamente. Tem gente que ainda acha o sujeito que trata as mulheres com educação e respeito, não é homem de verdade. Que dois homens de mãos dadas é nojento, mas duas mulheres se beijando, aí sim é legal porque né? pornô de graça.
Ainda tem. E vai continuar tendo, infelizmente, por muito tempo, ainda. O que a gente faz - e esses blogs fazem bem melhor que eu - é tentar mostrar como pode ser a vida do lado de fora da caverna. Fora da matrix. E cada um que a gente consegue trazer pro nosso lado é uma vitória. É mais uma menina que não vai transar só para agradar o namorado. É mais um cara que vai ensinar o filho (dando o exemplo, do jeito que tem que ser) que mulher tem que ser tão respeitada quanto o homem. É mais um jovem que vai sair do curso de marketing pensando em uma maneira nova de fazer propaganda - que não seja mulher pelada pra cerveja e mulher de aliança no dedo pra produto de limpar o banheiro. E que não sejam os pais bobões de sempre (só eu reparo que pai de comercial é sempre bobalhão?), que explodem o microondas e só servem pra comprar celulares novos pros filhos -. É um futuro arquiteto que vai colocar uma mesa de trocar fralda no banheiro masculino também, porque pai também pode trocar fralda, afinal de contas. Sei lá vários exemplos.
Várias coisas.
Cada uma dessas pessoas vai ajudar a construir um futuro melhor, assim, mesmo, bem piegas. é o que eu espero de tudo isso. Eu vivo num mundo machista, mas meus filhos hão de viver num mundo mais equilibrado. Meu filho não há de me dar o desgosto de transar com a namorada desacordada e minha filha não há de me dar o desgosto de achar que TEM QUE participar do Miss Bixete pra ser aceita pela sociedade acadêmica. E isso, pra mim, já vai ser uma vitória do meu feminismo.
Porque mentalidade não se muda retroativamente, e porque a gente começa a mudar o mundo mudando o que está mais próximo de nós.

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