sexta-feira, 29 de junho de 2012

O que vai ser quando crescer?

A gente vive vendo as pessoas perguntarem às crianças "o que você vai ser quando crescer?" As respostas podem ser as mais variadas, dependendo de quantas profissões a criança conhece, mais engraçado seria perguntar "como vai ser  a sua vida quando você crescer?"
Quando eu era pequena eu queria ser médica. Eu quis ser várias coisas, mas houve uma época em que eu queria ser médica. Pediatra. Com isso eu ia ganhar muito dinheiro e comprar uma fazenda. Na fazenda eu ia montar um posto de saúde e ia fazer, com meios próprios, uma espécie de conjunto habitacional ou comunidade de subsistência, em que famílias de baixa renda poderiam cultivar um pedacinho de terra, ia te ruma escolinha, etc, etc, etc. E aí, como eu ia continuar clinicando e ganhando dinheiro, eu ia comprando mais e mais terrenos pra ajudar o maior número possível de pessoas. Lindo, não é? Eu tinha desenhos de cada um dos prédios (do posto de saúde, da escola, das casas,...), guardados em uma pasta. O lugar tinha um nome e até uma logomarca. Totalmente surreal! 
Numa outra época, quando moramos em São Leopoldo, eu e minha prima resolvemos que nos mudaríamos de vez para o Rio Grande do Sul assim que possível (o que significava, provavelmente, os nossos 18 anos, quando seríamos totalmente independentes de nossos pais). Nossa rotina incluiria faculdade, academia e namorados lindos e inteligentes. Tudo muito divertido. Acho que a gente não chegou a pensar de onde viria o dinheiro que nos sustentaria nessa empreitada. Não que eu me lembre, pelo menos. Talvez um emprego de meio expediente, que, evidentemente, pagaria todas as nossas contas. Tampouco resolvemos de que seria a tal faculdade.
Por muitos anos, eu achei que acabaria casando com um militar, como quase todas as mulheres da família. Moraria em vilas militares e faria mudança a cada dois anos, cuidando das crianças.  Teria dois filhos, um menino e uma menina, embora não me lembre se eles já tinham nomes, e eles provavelmente seguiriam o mesmo roteiro em suas vidas.
Eu só conheço uma pessoa que seguiu os planos de quando era criança, acho: meu irmão. E mesmo ele fez alguns ajustes no plano original. Ia ser piloto de caça e acabou optando por transportes. E como a gente já conhecia a rotina, não tinha muito o que imaginar, mesmo...
De resto, as coisas mais formidáveis aconteceram. Eu corri sozinha meia Europa e quase morri de desgosto quando tive que voltar para o Brasil, mas acabei me acertando com o Rio de Janeiro. Morei com avó, morei sozinha e agora moro com o namorado (que de milico não tem absolutamente nada) e a tão inesperada gata. Minha prima, que mal conseguia pensar em ficar longe da família, foi morar nos Estados Unidos, deve ir para a Ásia e nem sabe quando volta para o Brasil. Todos fomos nos assentando e fazendo planos que faziam mais sentido, de acordo com as nossas realidades, e acho que a rotina que todos nós imaginamos que teríamos acabou sendo bem diferente da que temos.
Até onde eu sei, todos nós estamos felizes e satisfeitos com nossas vidas reais, mas de vez em quando eu paro para lembrar do que pensava quando era pequena. De todos os planos "sem noção", das fantasias, e de como tudo isso se encaixava perfeitamente e de como sempre dava certo no final.

quarta-feira, 27 de junho de 2012

tadinho do moço?

Eu fui criada para não fazer coisas erradas. Coisas claramente erradas. Tem gente que acha que não existe 100% certo ou 100% errado. Que as crianças e os jovens devem experimentar tudo e decidir, de acordo com as consequências que observarem, o que é certo ou errado para si. Eu discordo. Existem, sim, algumas coisas erradas que, em algum nível, podem ser justificadas e perdoáveis. Existem coisas que são certas ou erradas apenas de acordo com a cultura ou religião, e até existe uma ou outra coisa que pode ser mais ou menos certa dependendo de um ponto de vista, mas essas são as exceções, e são poucas.
Jogar lixo no chão é errado. Furar fila é errado. Maltratar animais é errado. Colar em prova é errado. Errado e ponto. Não tem justificativa, não tem desculpa. A maioria das coisas erradas é assim.
Se uma jovem resolve transar com o namorado antes do casamento, por exemplo, isso vai ser errado apenas de acordo com a cultura, religião ou princípios de família dela. Mas estuprar uma mulher vai ser sempre errado. E alegar que ela estava de saia curta ou roupa provocante não vai mudar nada.
Se uma pessoa está desesperada de fome, não consegue quem lhe dê comida e furta algo para comer, é  errado, mas, de alguma forma, justificável, perdoável. Mas uma pessoa que rouba para ter o tênis mais caro, para se exibir, se rouba simplesmente por ganância, é errado e ponto. Não tem o que discutir.
A meninazinha de 6 anos desapareceu durante um culto religioso e foi encontrada depois de 15 dias, no colo de um homem que pedia esmolas. Um vizinho reconheceu a menina, a polícia foi chamada e ela agora está em casa, sã e salva, com os pais. Aí eu estava hoje fazendo minhas unhas no salão quando passou uma reportagem sobre o caso na TV e eis o comentário que a moça sentada ao meu lado fez:
"Coitado desse homem. Vocês viram? Na carroça dele tinha brinquedos, roupinhas e ele estava cuidando bem da menininha. Não pegou pra abusar nem maltratar, nada, pegou só pra pedir esmolas. Com um bom advogado esse pobre nem ia pra cadeia, mas claro que ele não vai ter um bom advogado, coitado, e vai acabar como um criminoso."
Oi? Olha só, pode ser que não tenha sido ele que sequestrou a menina. Que outra pessoa o tenha feito ou que a menininha tenha simplesmente se perdido da mãe e que ele a tenha encontrado e, como não sabia de onde ela vinha, ficou com ela, pensando no que fazer, sei lá... Tirando essa possibilidade, a única chance de esse homem ser um pobre coitado é se ficar provado que ele tem algum transtorno mental e que estava fora de si ou da realidade quando pegou a menininha. De resto, o simples fato de ele ter colocado brinquedinhos na carroça ou, aparentemente não a ter maltratado, não mudam o fato de que tirou uma criança da mãe. E para colocá-la em uma situação de privação, tendo que pedir esmolas para comer. Fui só eu que entendi assim?
A gente está tão acostumado com a violência que deu pra agradecer quando "algo pior" não acontece. Capaz até de achar bandido bonzinho, tipo o que me assaltou no ônibus e terminou seu assalto com um "muito obrigada, colega, fica com Deus".
Você é assaltado. Se só te levam a carteira, as pessoas dizem "ainda bem que foi só a carteira, não te fizeram nada". Se o sujeito te dá um empurrão, "podia ter sido pior, ainda bem que não machucou". Se machucar, você tem que agradecer por não ter levado um tiro. Se levou, pelo menos ainda está vivo. Caramba! A carteira é sua! Ou era, pelo menos. Aquele abominável ser do pântano não tinha o direito de levá-la, não tinha o direito de levar o que é seu, de se impor pela força ou simples ameaça de força! E acontece que as pessoas simplesmente não te dão o direito de ficar indignado, porque "podia ter sido pior".
Podia. Nesse caso, eu ficaria ainda mais indignada!
Essa flexibilidade de certo e errado tem que ser revista, eu acho. Não pode servir pra tudo. Não pode ser aplicado a todos os casos. Tem coisa que é errada e ponto.

terça-feira, 26 de junho de 2012

Una pregunta

Trabalhar com o público, de qualquer tipo, requer muito boa vontade e jogo de cintura. Trabalhar na recepção de um grande hotel requer, ainda, uma grande dose de sangue frio. Se for de barata, melhor ainda. É difícil. Tem muita gente com muito dinheiro que esquece a educação em casa ou simplesmente acha que é melhor que o pobre recepcionista só porque "está pagando". Tem gente que não entende para que servem os procedimentos de segurança e os que nunca estão satisfeitos. Como eu disse num post anterior, tem gente que acha que é importante demais para seguir normas.

Vamos entender o que eu quero dizer: é claro que se você está pagando uma diária astronômica merece ter as melhores instalações e os melhores serviços. No entanto, toda empresa tem normas. Tem horários, procedimentos obrigatórios, valores, normas de segurança, etc. O hotel tem os seus e  o que eu estou dizendo é que o fato de estar pagando, não dá ao cliente o direito de ignorar essas normas. Não dá, especialmente, o direito de destratar os funcionários que estão ali para cumprir essas normas.

Quando se trabalha na recepção de um hotel, algumas situações são extremamente desagradáveis, como a do tenista brasileiro que fez um escândalo porque o recepcionista que se recusou a dar a chave do apartamento dele a uma mulher desconhecida que alegava ser a acompanhante, ainda não registrada, sem que ele comparecesse à recepção para autorizá-la. Acontece que era a esposa dele. Acontece, que a gente não tinha a obrigação de saber, ora bolas. E acontece que, por uma questão de segurança e lei, o hotel não pode deixar entrar no apartamento quem quer que seja que não esteja previamente autorizado pelo hóspede. Afinal, podia ser uma fã maluca tentando agarrá-lo ou roubar suas cuecas, ou alguém tentando batizar sua água antes do jogo. Sei lá, tem doido pra tudo. Quero ver se ele ia gostar se fosse outra mulher.

Outras situações, no entanto, acabam sendo bem divertidas, como o famoso caso do chinês que pediu para trocar de apartamento porque não conseguia dormir: "casal do lado muito barulho: faz amor, faz amor, faz amor, não consigo dormir. Pleciso tlocar apatamento".

Um colega de recepção dizia que escreveria um livro de casos e um manual de conduta para os hóspedes. Incluía tópicos como:
- Enquanto o recepcionista estiver preenchendo sua ficha, não o interrompa fazendo perguntas. Todas as informações serão dadas no momento certo.
- Entendemos sua felicidade com a viagem romântica, mas, por favor, espere chegar no quarto. O recepcionista vai precisar pedir informações, cartão de crédito, etc, e será extremamente desagradável ter que esperar que os pombinhos acabem de se beijar, ou interrompê-los.
- Não permita que seus filhos fiquem tocando o sininho, pelo amor de Deus!!!! Aliás, tira essa criança de cima do balcão!
- Os turnos da recepção se encerram, de uma forma geral, às 15h, 23h e 7h. Uma meia hora antes disso, os recepcionistas começarão a fechar seus caixas, imprimir seus relatórios, etc, etc. Então, por favor, se você não pagou sua conta até as 14h, 22h ou 6h, deixe para fazê-lo após a troca de turno.

Esse último, especialmente, deveria vir com versão em espanhol. Gente, não é preconceito, juro, é estatística: em 90% dos casos, o sujeito que quer pagar a conta no momento em que você grampeou seu último relatório de fechamento de caixa é argentino! Parece que eles ficam atrás da coluna esperando, de tocaia. às 22:55, em ponto, o argentino aparece na sua frente, sorrindo, e você tem certeza de que ele está debochando:
- Una pregunta: yo mañana salgo temprano, poderia pagar ahora?
Deixa eu explicar o que acontece nesse momento: o sangue do recepcionista sobe todo (pode ver se as orelhas não estão vermelhas), as mãos tremem e ele tem vontade de te mandar para algum lugar indecoroso (mesmo que você não seja argentino), mas se segura, sorri e responde calmamente: 
- Claro senhor, qual o seu apartamento?
O que ele queria responder:
- Agooooora? Não dá pra o senhor voltar daqui a vinte minutinhos?

Tem também o cliente que simplesmente não presta atenção nas informações passadas, pra depois perguntar tudo de novo. Vejam um exemplo comum:
Recepcionista: Senhor, seja bem vindo ao nosso hotel. A área de lazer está toda localizada no andar zero, onde temos dois dos nossos restaurantes. No quinto andar fica o restaurente X, onde é servido o café da manhã, e o business center. Seu apartamento é o 804 e os elevadores são logo ali, ao lado do bar.
Hóspede: Ah, tá, meu apartamento fica no 5o andar, é isso?
Recepcionista: Não senhor, no quinto andar ficam o business center e o restaurante X.
Hóspede: Ah, sim, claro, e o meu apartamento, em que andar fica?
Recepcionista: Seu apartamento (804!!!) fica no oitavo andar.
Hóspede: ah, ok, ok. E onde fica o elevador?
Fala pra mim, em que prédio desse mundo o 804 fica no quinto andar!


Tem o cara que é bem relacionado e acha que a sua educação depende disso. É o cara do "olha, eu sou amigo do fulano, vê um apartamento bom aí pra mim, viu?"
Uma vez, um casal de origem árabe, novinho, mas visivelmente endinheirado, recém casado, chegou ao hotel. Eu os vi entrando e vi a mocinha ligar para alguém enquanto atravessava o lobby, o mensageiro atrás deles com as malas. Ao alcançar o balcão, e antes que eu pudesse dizer bom dia, ela me passou o telefone, dizendo que o tio queria falar comigo.
Eu: Boa tarde, meu nome é Juliana, como posso ajudar?
Tio: Boa tarde, Juliana, você é da recepção do hotel X?
Eu: sou, sim senhor
Tio: Olha, Meu nome é Fulano de Tal, eu sou amigo pessoal Cicrano de Coisa (alguém importante na Companhia) e essa moça é minha sobrinha, por isso eu queria te pedir que desse um bom tratamento aos dois.
O que eu respondi: algo como "com certeza, senhor, pode ficar tranquilo que sua sobrinha será muito bem servida!
O que eu tive vontade de responder: Puxa, ainda bem que o senhor ligou, porque eu já estava aqui chamando os seguranças para colocar sua sobrinha para fora do hotel a pontapés e ao mensageiro para abrir a mala e jogar tudo no lixo"
Pode? Você manda sua sobrinha para um hotel 5 estrelas e acha que precisa ligar para pedir um atendimento especial?

Tem o sujeito que reserva um apartamento de frente pro mar e reclama do barulho das ondas ou do cheiro de maresia. Tem o hóspede que reserva o apartamento mais barato e espera que você o coloque na melhor suíte só porque foi com a cara dele. Tem o russo que não fala nem inglês, nem espanhol, nem português, nem alemão - só russo - e fica irritadíssimo porque você não entende o que ele quer.


Tem o chato que, querendo ser atendido logo, pára ao lado do hóspede que você está atendendo, grudado mesmo, como que querendo coagí-lo a sair logo do balcão, e cria aquele mal estar com o hóspede que ainda está sendo atendido, e o sem noção que se adianta sem ser chamado, pra te apressar. Mas o melhor é  aquele que sai lá do meio da fila (de novo, sem preconceito, mas geralmente é mulher) quando seu computador trava (porque o computador sempre trava quando a fila está grande) e vem saber porque seus colegas estão chamando o próximo e você não:
Hóspede mala: Minha filha, você está com algum problema? Está precisando de ajuda? Porque eu estou esperando aqui na fila, que está enorme, e você não está atendendo ninguém!
Resposta que eu queria dar #1: Não senhora, estou só vendo as fotos de um amigo no orkut e se meu paquerinha respondeu minha cutucada na facebook. Já vou atender a senhora.
Resposta que eu queria dar #2: Puxa, estou precisando de ajuda, sim, a senhora entende de computador? Dá a volta por aqui, ó, e vê se a senhora resolve isso pra mim, porque o pessoal de TI tá ocupado.
Resposta que eu queria dar #3: Ah, não, cansei! A senhora já viu o movimento como está hoje? Vou fazer uma pausa de dez minutinhos e já volto.
Dependendo do grau de irritação, o número de respostas possíveis aumenta. O importante é que você, cliente, saiba que, se o recepcionista não chamou o próximo da fila, ainda, existe uma razão para isso.


Por essas e por outras, eu cheguei a sugerir que comprássemos um saco de areia, desses de treinar boxe, e pendurássemos no "back" da recepção, para aliviar o estresse. Claro que ninguém me levou a sério, mas imagina só: o depois de um hóspede estressante, o recepcionista iria para o back, daria meia dúzia de socos e pontapés no saco de areia, respiraria fundo, e voltaria, sorridente, para o "palco". Seria revigorante!


Como não dá pra socar o saco de areia, nem chutar o balde, a gente só espera que você seja educadinho com o seu recepcionista amigo e dá um jeito de se divertir com as situações, depois que ela passam.

domingo, 24 de junho de 2012

para pés de todos os tamanhos

Passeando por uma livraria do centro da cidade, uns dias atrás, me deparei com o livro "Nunca case com uma mulher de pés grandes", da holandesa Mineke Schipper. O livro chamou minha atenção por um motivo óbvio: eu calço 38/39 e pensei que, de repente, teria que evitar a todo custo que meu namorado chegasse perto dele. E avisar algumas amigas para que tomassem o mesmo cuidado.
Até onde o folheei, felizmente, o conteúdo parece não conter riscos e é, inclusive, bem divertido.
"Nunca case com uma mulher de pés grandes" apresenta uma compilação de provérbios de várias culturas relacionados à mulher e traz pérolas machistas que chegam a ser engraçadas de tão estapafúrdias. São mais de mil deles, falando sobre aspectos físicos e comportamentais das mulheres nas diversas fases de suas vidas: a filha, a esposa, a nora, a sogra, a viúva e até a mulher morta. 
Muito divertido, desde que você não os leve a sério.
Acontece que autora pretende justamente mostrar como esses provérbios se tornaram verdades para essas culturas e ditaram (e ainda ditam) comportamentos e preconceitos ao longo da História, tolhendo as mulheres e afirmando a suposta superioridade masculina. O provérbio título, por exemplo, é assim apresentado por Aline Leal, na orelha do livro:


"Nunca se case com uma mulher de pés grandes" é de origem sena e "atribui valor negativo à mulher que, em algum nível, supera o homem. Ela é insubordinada, perigosa e deve-se evitar tê-la por perto. Pode desestabilizar os papéis determinados a cada sexo em prejuízo da ordem estabelecida e, desse modo, rebaixar o homem em sua condição dominante".

Para os homens, isso faz todo o sentido: evite uma mulher que seja melhor que você. Escolha uma que você possa controlar e que não desafia a sua autoridade. 
Para as mulheres, no entanto, significa sufocar suas melhores características, significa: se quiser casar, ter filhos e ser aceita pela sociedade, se não quiser terminar seus dias sozinha e solitária, finja, pelo menos, ser menos esperta que os homens. 
Foi isso que as mulheres de muitas culturas fizeram por incontáveis gerações. E fizeram tão bem que começaram a acreditar nisso e subestimar a própria capacidade. Aceitaram e assumiram o papel de inferiores, de vítimas, de dependentes. Deixaram que homens, governos e religiões dissessem como deveriam viver e todas as coisas que não poderiam fazer.
Felizmente, sempre existiram as mulheres grandes. Grandes mulheres, nem sempre de pés grandes, mas que simplesmente não conseguem não pensar ou resignar-se a um papel pré estabelecido para si. Mulheres que insistem em ser o que são, apesar da reprovação, não apenas masculina, mas de outras mulheres, acostumadas a baixar a cabeça ante as convenções.
Um belo dia, algumas dessas mulheres se encontraram e viram que não estavam sozinhas. Resolveram que não mais fingiriam ser menos do que eram para agradar os outros. Queriam votar, estudar, trabalhar, ocupar cargos importantes. Queriam ser tratadas com igualdade de direitos e decidir seus destinos, porque o que lhe ofereciam seus homens não era suficiente para elas. Tiveram grandes em diversas culturas e sociedades (infelizmente não todas, ainda) e nos mostraram que não precisamos nos adaptar a um molde, nem enfaixar nossos pés, como as antigas chinesas, para que não cresçam.


sexta-feira, 22 de junho de 2012

falta educação

Quando estava em Copenhagen, visitando uma amiga dinamarquesa, fomos a uma festa. Isso significava sair do "subúrbio" onde ela morava de bicicleta até a estação de trem e seguir para o centro da capital. Voltamos às duas da manhã e não havia uma única alma na rua enquanto pedalávamos de volta pra casa. Nem pedestre, nem ciclista, nem carro. Ainda assim, quando os sinais de trânsito estavam fechados, nós parávamos. Acostumada à nossa "rotina de trânsito", eu perguntei porque estávamos parando se não tinha ninguém na rua: "porque o sinal está fechado", ela respondeu, sem pestanejar.
De visita a uma outra amiga - esta, brasileira - na Holanda, numa cidadezinha que quase não tinha sinais de trânsito, mas uma ciclovia quase da mesma largura da rua, levei uma baita bronca de um motorista por esperar sua passagem para atravessar: é que, tendo me visto na beira da faixa de pedestres, ele reduzira a velocidade do carro para me dar passagem e como não atravessei, teve que parar o carro ao alcançar a faixa de pedestres. É que foi assim que meu pai me ensinou a atravessar a rua: olhe para os dois lados mesmo que seja mão única e espere os carros pararem, para ter certeza de que não será atropelada. ´
É assim que acontece por aqui, mas na Holanda... na Dinamarca... por lá as pessoas respeitam as regras.
O brasileiro não gosta de regras. Acha que ela deve existir para os outros, talvez, mas no que diz respeito a si próprio as regras servem só para aporrinhar. O motorista alcoolizado acha que lei seca serve para tirar dinheiro, que os outros podem até ficar com reflexos prejudicados com meia dúzia de latinhas, mas ele não. Logo, a lei seca não deveria servir pra ele. Quando você é parado na lei seca e não é o motorista, tem a chance de ficar observando a quantidade de táxis que passam com sujeitos embriagados gritando e xingando os agentes de trânsito, se achando muito espertos por não terem sido parados.
Quando eu trabalhava na recepção do hotel, vi um milhão de vezes as famílias chegarem sem os documentos dos menores e, ante a negativa do recepcionista (eu, inclusive) em fazer o check-in sem a comprovação de paternidade, armarem verdadeiros barracos no lobby do hotel. Não adianta explicar que é lei (não adianta nem mostrar a lei, preto n branco), que andar com a documentação (identidade, passaporte ou certidão de nascimento) do menor é obrigatório mesmo em viagens de carro, que é para a segurança da família (significa que se alguém roubar seu filho, não vai poder se hospedar em hotel algum), que o hotel pode ser multado e até fechado se bater fiscalização e  houver menores hospedados sem a cópia dos documentos no arquivo. Na hora em que a lei vai contra os interesses, pais e mães zelosos viram bicho! "Olha aqui, minha filha, eu entendo a posição do hotel e acho louvável que vocês levem isso a sério porque é claro que nós não queremos que alguém sequestre nossos filhos e saia viajando por aí, mas aqui, dá pra ver que ele é meu filho, olha só. É a minha cara. Fala pra ele, fulaninho, o que eu sou sua?" "Isso é um absurdo! Quer dizer que agora eu tenho que provar que meu filho é meu filho?" E, por último, mas não menos revoltante: "Chama seu gerente que eu quero falar com ele. Imagina só se eu não vou entrar nesse hotel"
Esse "chama o gerente" significa uma única coisa: você não é ninguém aqui e eu tenho certeza de que seu superior vai saber reconhecer minha importância nesse hotel. É o velho "você sabe com quem está falando?"
Uma vez, um recepcionista de outro hotel da rede ligou para a recepção para informar que o pai se hospedaria no hotel, pedindo que arrumássemos um bom apartamento e "amenities", já que o homem era desembargador. Teria sido o suficiente ele me dizer que o cara era pai dele. Por coleguismo, ele teria recebido o melhor apartamento possível e o tratamento especial que oferecíamos a todos os nossos clientes de um hotel cinco estrelas. Mas não, o menino tinha que dizer que o pai dele era "importante".
O "importante" é aquele a quem as regras não se aplicam. Aquele a quem se faz concessões. Aquele que tem atendimento preferencial.
A maioria dos brasileiros reclama que os políticos são safados, que os policiais são corruptos, que o funcionário público não trabalha, mas a verdade é que 95% dos brasileiros, chutando baixo, faria exatamente a mesma coisa se tivesse a oportunidade!
Quer dizer: 95% dos brasileiros adoraria ter uma posição que lhe permitisse burlar as regras. A maioria adoraria um cargo público que fosse "um emprego e não um trabalho" e colocaria tantos de seus parentes e amigos mais próximos na jogada quanto lhe fosse possível. A maioria cederia ao assédio de uma empreiteira para fraudar uma licitação se fosse por uma boa comissão e um sem número de pessoas tentaria manter um benefício a que não tivesse direito, assim, na moita, dando uma de joão sem braço. 
Leis, meu amigo, nada mais são que regras. E o nosso povo, como já foi dito, não gosta de seguir regras.
Aí, aquela coisa do "cada povo tem os governantes que merece" começa a fazer sentido.
Isso é coisa de gente mal educada: o sujeito que joga o lixo no chão porque não é ele que vai limpar, que pára na vaga de deficiente, fura fila, fuma em lugar fechado e consulta o twitter para saber onde está a lei seca, para desviar o caminho e poder burlar a lei sossegado (aliás, postar essas informações também devia dar multa) é o mesmo ser do pântano que trata mal o recepcionista, que chama o gerente, e liga pra dizer que quer tratamento especial porque é importante. Tudo falta de educação. O mau caráter tem muito de mal educado. O desonesto tem muito de mal educado. O nosso país, de uma forma geral, é mal educado.  Não é a educação de escola, a instrução, não. Disso também somos carentes, mas estou falando daquela educação de casa, de "berço". Aquela que aprendemos observando os exemplos à nossa volta: pai, mãe, familiares. A educação do nosso país é distorcida. Por aqui, cada um cuida do seu e o resto que se exploda.
Uma vez, um professor colocou a seguinte situação: você está em uma rua cheia, no horário de pico, e uma outra rua desemboca nela, os motoristas de lá tentando entrar, os de cá, querendo prosseguir. A maioria dos motoristas vai tentar impedir a passagem do que quer entrar colocando o seu carro no caminho, de forma a garantir sua passagem antes do outro. Mas tudo muda se por acaso do destino o vidro do outro carro baixar e ele descobrir que o motorista é seu amigo. Aí ele cede a passagem.
Por aqui, educação é guardada para quem é "de casa" ou para quem interessa. O sujeito trata o chefe a pão-de-ló e faz o subalterno comer o pão que o diabo amassou. Trata bem a família da namorada, mas destrata o porteiro do prédio.
Eu achei um pouco de exagero da minha amiga parar num sinal em que não havia ninguém. Na situação, acho que poderia ter havido uma certa flexibilidade. Mas fico feliz que a educação dela não seja inflexível. Que a educação do motorista holandês seja inflexível. A falta de educação dos meus concidadãos é um dos maiores motivos da minha vontade desesperadora de partir, de mala e cuia, pra Suécia.

quarta-feira, 20 de junho de 2012

sem título

Uma das piores coisas que podem acontecer na vida da gente é brigar com quem amamos. Pode ser mãe, filho, namorado, avó: quando você briga com quem ama, independentemente de estar certo ou errado, você se sente mal, mau e culpado. Isso porque, estando certo ou estando errado, a gente pode magoar o outro, e ver alguém que amamos magoado por nossa causa é pura tortura. No fim, muitas vezes, a gente fica sem saber se estava certo ou errado porque, aparentemente, numa discussão com alguém querido, é inexplicavelmente mais difícil manter o foco e não trazer à tona outras brigas (ocorridas ou sufocadas) e confundir as coisas. A gente fala (de)mais quando briga com quem ama.
Se você discute com alguém indiferente na sua vida, vira a esquina e esquece. Se é alguém querido você pede desculpas e continua ali, esperando pra ver se foi mesmo perdoado. E como cada um tem um jeito de reagir, e como apesar disso sempre esperamos que o outro reaja como nós ou como esperamos, às vezes é difícil saber o que o outro pensa. Quem explode não entende o que não altera a voz. Quem tem sangue mais frio não sabe o quão desesperador isso é ao estourado. Tem gente que prefere não discutir e manter o incômodo, tem gente que prefere dizer tudo o que vem à cabeça e só depois ver no que dá. De qualquer jeito dá errado.
O pior disso tudo é perceber que você não pode fazer quem ama feliz o tempo todo (por mais que, na teoria, você já soubesse disso), que você pode errar com quem quer sempre acertar e que o outro pode errar com você também.
Saber que seus defeitos não afetam somente a você mesmo e aos indiferentes é tão difícil quanto ter que reconhecê-los. Perdoar os defeitos do outro é tão difícil quanto e quanto mais próxima é a convivência, mais difícil fica. Mas se a gente ama e trata de encontrar um jeito...

terça-feira, 19 de junho de 2012

Lá vêm as noivas

Quando eu era pequena, o que eu mais queria na minha vida era ser uma princesa. Tá, bom, eu continuei querendo ser uma princesa mesmo depois de grande, mas aí a percepção de mundo era diferente: as princesas eram mais modernas, usavam calça jeans e só usavam as jóias da coroa em ocasiões especiais. Quando eu era criança eu queria ser princesa mesmo, daquelas de desenho da Disney, com vestido armado, penteado, coroa e sapatinho de cristal, que falavam com os animaizinhos da floresta e tinham uma fada madrinha cintilante.
Quando eu era bem pequena mesmo, eu contava a quem quisesse ouvir, a estória da Bela Adormecida, das três fadinhas benfazejas e do príncipe "lindo-que-nem-o-papai", e vestia as camisolas da minha mãe fazendo as vezes de vestido de baile.
Acontece que não existiam dessas princesas nas ruas e o meu referencial ficava meio defasado, por assim dizer. Então, eu me apeguei ao que havia de mais parecido com as princesas de contos de fadas: as noivas.
Com uns 3, anos, fazia minha mãe colocar um vestidinho branco e o mosqueteiro do berço do meu irmão preso no alto da cabeça, fazendo as vezes de véu. Era uma noiva de botinha ortopé e buquê da marias-sem-vergonha do quintal de casa. E, claro, saía assim na rua, se deixassem, amarradona.
No casamento de um primo da minha mãe, eu tinha uns 6 anos, talvez, entrei tantas vezes na fila de cumprimentos dos noivos que me tiraram de lá. Tudo porque eu queria ficar olhando a noiva de pertinho, mas o tempo de um beijinho era curto demais para ver todos os detalhes. Esse meu mico foi filmado, tá, documentado, para a posteridade. 
Assim, desde que eu me entendo por gente, sou completa e absolutamente fissurada por tudo o que envolve esse mundo "encantado" em que vivem as noivas: vestidos, véus, tiaras, jóias, alianças, sapatos,.. Eu posso passar horas vendo revistas de noivas, bisbilhoto as fotos dos amigos dos amigos dos amigos nas redes sociais (e fico frustrada se forem visíveis apenas para amigos), vejo álbuns de casamento de amigos e desconhecidos com o mesmo entusiasmo, quase e, sim, meu dia favorito da semana, quando trabalhava na recepção de um grande hotel aqui no Rio, era o sábado: o dia em que as noivas iam se arrumar e desciam, de lindas a terrivelmente bregas, para fotografar no saguão.
Quando eu e meu namorado começamos a sair, eu fiquei com medo de que ele me achasse uma surtada neurótica, e avisei:"olha, eu não sou maluca, tá. Não estou esperando que a gente case na semana que vem, sei que estamos apenas começando, mas é que eu gosto mesmo de parar na frente de cada joalheria que encontrar e olhar as alianças". Até hoje não sei se ele acreditou, assim, cem por cento, mas, pelo menos, não saiu correndo.
É que eu não gosto só de pensar no meu próprio casamento. Aliás, meu próprio casamento será uma festa pequena e íntima. Eu gosto mesmo é que as pessoas casem e me convidem, ou mostrem as fotos, pelo menos. Eu gosto de noivas, todas elas. De festas de casamento, de cerimônias, as mais diversas. E de todo aquele encantamento de conto de fadas e promessas de felizes para sempre que esse dia carrega consigo.

segunda-feira, 18 de junho de 2012

Tão lindo! Parece o Caio!

Só uma estorinha que lembrei esses dias:
Vinha eu pela rua e parei no Largo da Segunda-feira, aqui perto de casa, esperando o sinal fechar para atravessar. Da rua lateral vinham uma senhora com duas menininhas de seus 5 ou 6 anos e um pai com um menininho da mesma idade. O pai e a senhora vinham conversando, as meninas vinham tagarelando e olhando para tudo à sua volta e o pequeno, por sua vez, vinha compenetradíssimo num mini game.
Chegando ao Largo da Segunda-feira, a senhorinha e as meninas param ao meu lado, esperando, também, para atravessar. O pai, que ia seguir em frente com o menino, se despede das três, animado. A senhorinha se despede de volta.
E aí vem a parte engraçada:
O pai chama o garoto, que, distraído com o mini game, tinha parado de andar:
- Vamos lá, Caio? Despede das meninas!
As meninas, então, soltam as mãos da senhora, correm, pulam em cima do pobre Caio e enchem o garoto de beijos e abraços, que o pequeno ignora solenemente. O pai se enche todo de orgulho - certamente pensando: "É isso aí, meu filho vai ser pegador, olha o sucesso que já faz com as menininhas!" -, e segue seu caminho com o pequeno e seu mini game.
Aí, as meninas, aos pulos e gritinhos:
- Ai, o Caio é tão lindo! É o menino mais bonito da escola!
- É, Ele é tão lindo! Eu queria dar um beijo no Caio.
- Eu queria namorar o Caio!
- Eu queria casar com o Caio! Caio! Caaaaaaaaaio, eu te amo! Namora comigo!

Eu e a senhorinha nos entreolhamos e começamos a rir da cena. E por algum tempo, sempre que via alguma coisa ou pessoa bonita eu não resistia em dizer: "É tão lindo! Parece o Caio!"

sábado, 16 de junho de 2012

o homem, a mulher, os filhos e as escovas de dentes

Eu tenho, desde pequena, pânico de ver as pessoas escovando os dentes. Me embrulha o estômago, dá "trimilique", começo a suar frio, dou piti. É sério. Quem me conhece sabe e até acha graça, mas é sério.
Quando as pessoas vêm na minha casa como hóspedes, são avisadas de que existem apenas duas regras na casa e a primeira e mais importante delas é que é proibido escovar os dentes de porta aberta, andar pela casa escovando os dente e, principalmente, me dirigir a palavra enquanto faz isso. A segunda é que é proibido fumar, mas essa não chega a causar estranheza a ninguém. Não me lembro desde quando isso acontece ou o que gerou esse comportamento, mas o fato é que fecho os olhos e tapo os ouvidos até quando passa alguma cena na TV.
E também não escovo os dentes na frente de ninguém. Pra mim, a coisa mais dramática que existe é banheiro coletivo. No trabalho, sempre almoço o mais tarde possível e espero que todos tenham ido ao banheiro resolver sua vida. Depois vou, correndo, torcendo para ninguém aparecer. É tenso.
Pra mim, escovar os dentes é como qualquer outra coisa que se faz no banheiro; se você não anda pela casa se ensaboando, não faz xixi na sala, não tem porque escovar os dentes por aí também. Nos três casos, não custa entrar no banheiro, fechar a porta, fazer o que tem que fazer e sair.
Minha sorte nesse mundo é que meu namorado lindo não tem problemas em seguir esse roteiro, Mesmo assim, mantenho minhas coisas separadas (aliás, normalmente usamos cada um um banheiro). Cada um com a sua gaveta, cada um com a sua pasta de dentes. É que o tubo da pasta amassado pelo meio ou a gaveta molhada me causam a mesma aflição. Se eu puder nem encostar na escova de dentes de outras pessoas, tanto melhor. A pia toda molhada (tem gente que parece que toma banho na pia, eu não entendo essa "molhação" toda!) me dá vontade de matar um!
Desde cedo eu deixo claro: posso casar, juntar, amigar, juntar os trapinhos, me amancebar, até, mas juntar as escovas de dentes: jamais!
No primeiro post, eu comentei que "naoescoveosdentesnaminhafrente" era uma hipotética segunda opção de nome para este blog e teve gente dizendo que esse tema merecia um post também, mas nem era disso que eu queria falar, aqui, hoje. O que eu queria falar era da importância que não damos e que eu acho que deveríamos dar aos pais dos nossos filhos.
Muitas vezes, quando conto essa minha, digamos, peculiaridade, as pessoas (normalmente mulheres) me perguntam: "mas e aí, como você vai ensinar seus filhos a escovar os dentes?". Minha resposta é muito simples: em primeiro lugar, até onde eu sei, sem nunca ter experimentado, o instinto materno supera tudo. Em segundo lugar - mas não menos importante - meus filhos (se tudo correr como planejado) terão um pai e esse pai pode, perfeitamente, ficar com essa tarefa."
Essa segunda parte sempre gera caras de dúvida, deboche até e comentários do tipo: mas homem não faz essas coisas, quem cuida disso é sempre a mãe. Homem não sabe cuidar desses detalhes.
O que passa pela minha cabeça nesse momento eu acho que não fica bem escrever aqui, mas me incomoda profundamente essa incapacitação que nós (isso mesmo, nós, mulheres) promovemos nos nossos homens.
Sério que é tão difícil assim ensinar uma criança a escovar os dentes, dar um banho, trocar uma fralda?
Por que uma mulher cansada pode fazer isso e os homens "não conseguem"?
A culpa é nossa, sim, e, por incrível que pareça, é uma das poucas culpas (senão a única) que eu não vejo as mulheres sentirem. Existe a culpa por trabalhar e não passar mais tempo com os filhos, por não malhar, por comer doces, por não dar mais atenção ao casamento, mas não vejo ninguém reclamar de culpa por monopolizar a responsabilidade pela criação e educação dos filhos.
Nessas semanas em que muito falou de criação com apego e parto domiciliar, uma amiga postou um depoimento inspirador em vários sentidos. O que mais me chamou a atenção, no entanto, foi seguinte trecho:

"Importante destacar que tenho um marido super participativo, que nunca "me ajudou" com coisa alguma, porque cuidar de Emilia nunca foi tarefa só minha. Ele sempre esteve ativamente envolvido em todas as decisões, todo o cuidado, passou noites em claro como eu, trocou fraldas desde sempre, deu banho desde sempre, colocou pra dormir desde sempre, e me apoiou e suportou quando eu estive fraca e cansada."


Fala pra mim: esse não é o sonho de todas nós, mulheres? Não é isso de que muitas reclamam? Por que diabos, então, nós não incentivamos e até cobramos essa atitude de nossos parceiros? Por que não damos apoio para que eles façam as coisas, por que queremos que nossos filhos sejam só nossos (e, talvez, das avós) e não dos pais deles? Por que o homem tem a desculpa de chegar cansado do trabalho para não ajudar num tempo em que nós também chegamos cansadas do trabalho? Por que tem a desculpa de ser homem? Por que suas únicas responsabilidades perante a sociedade são registrar o rebento e dar suporte material? É injusto!
Conheço um casal extremamente criticado pela família porque o homem passava mais tempo cuidando dos filhos que a mulher. Diziam que era um absurdo que ele buscasse as crianças na escola, que desse o almoço, enquanto ela somente trabalhava. Se essa opinião, por si só, já não me parecesse extremamente preconceituosa, seguem alguns dados: ele, funcionário público, morava do lado do trabalho e tinha total disponibilidade de fazer isso no seu horário de almoço, além de adorar passar mais tempo com os filhos. Ela, além de trabalhar longe, ganhava muito mais que ele em uma grande multinacional.
A divisão das tarefas tem sempre que estar mais pesada pro lado da mulher. É ela que tem que dar conta de trabalho, casa e cria, nunca o homem.
Isso, senhoras, é, sim, culpa nossa! Da forma como tratamos nossos companheiros e como criamos nossos meninos. Precisamos parar de querer provar o tempo todo que somos melhores, mais fortes, mais capazes e deixar que os pais também criem os filhos. Afinal, na hora de fazer, estavam os dois lá, né? Guardem suas forças para quando elas forem realmente necessárias.
Nós, aqui em casa, não temos previsão de encomendar um herdeiro, ainda (mais por falta de estrutura que de vontade), mas já está decidido quem ensinará os pequenos a escovarem seus dentes.


quinta-feira, 14 de junho de 2012

o preconceito e a salada

O problema da luta contra o preconceito é que as pessoas pensam no sempre na sociedade como um todo, como se todo mundo tivesse os mesmos preconceitos. E como se bastasse dizer "ai, ai, ai, gente, preconceito é feio, vamos parar com isso". Não funciona assim. É claro que não dá pra aceitar que pessoas apanhem ou não consigam emprego ou sejam constrangidas de alguma forma simplesmente porque têm determinada característica (seja ela física, comportamental ou ideológica), mas isso não é combate ao preconceito, na minha opinião, é combate à intolerância, ao respeito, à discriminação.
Preconceito é mais difícil porque é mais subjetivo. Ele não se manifesta, necessariamente, mas fica lá, embutido, caraminholando a cabeça de quem o possui e o cegando para as qualidades de seu alvo.
E não adianta negar, cada um tem o seu. Pode não ser o "da moda", mas tem. Eu, por exemplo, não tenho nada contra negros ou homossexuais, não estou nem aí para a sua religião e partido político, mas assim, à primeira vista, não confio em homem baixinho. Sério. Meus amigos baixinhos estão aí pra provar que vale a pena ir além da primeira impressão, mas tem gente que simplesmente para por aí. E é aí que o negócio fica ruim.
Vamos pensar assim: preconceito, inveja, raiva, preguiça, gula... todos nós nos deparamos com cada um desses pecados vez por outra nas nossas vidas. Não adianta negar: tudo que é feio e ruim está lá, dentro da gente, na  nossa caixinha de pandora interior. O que faz de nós pessoas melhores ou piores não é a ausência, mas a forma como lidamos com esses sentimentos. Controlar a raiva evita úlcera e dor de estômago; driblar a preguiça leva a um lindo dia na praia, uma aprovação em um concurso, a mais tempo com os amigos. Quem se alimenta melhor é mais saudável e bonito e quem vence seus preconceitos... ah! quem vence seus preconceitos, assim como quem vence seus medos , abre caminho para experiências incríveis!
Deixemos de lado (nesse post) a parte "mais feia" da estória do preconceito - a discriminação e a  intolerância que tanto mal causam nos dias de hoje. Falemos apenas do preconceito em si, desse sentimento de "não provei, mas não gostei" que acompanha muitos de nós desde a mais tenra idade, desde os nossos primeiros pratos de salada.
É um caso clássico, não é? Ninguém pensa em salada quando se fala em preconceito, mas é exatamente isso que está acontecendo quando a gente torce o nariz pra um prato diferente. É pré - conceito, como eu disse no post anterior. Está provado que nós comemos primeiro com os olhos e o olfato. Então, se não é bonito, se não cheira bem, ou sei lá que implicância a gente pega com a cara do negócio, ele deixa de ser apetitoso e passa a ser óbvio que coisa boa não é. E por causa disso eu estou descobrindo a maravilha do tomate aos vinte e nove anos de idade.
Outro clássico é bom e velho príncipe encantado. Aliás, bom e novo, e alto, bonito, atlético, educado,... Toda mulher sonha com o seu, idealiza, espera, faz promessa pra Santo Antônio. Passe o tal príncipe do lado dela sem o seu belo cavalo alazão (que faz parte do pacote) e a farda de gala e, se bobear, ela nem percebe. E ainda vira o santo de cabeça pra baixo, o pobre, que mandou presente certinho, mas "errou" na embalagem...
Quer ver mais um exemplo? Eu não gostava de gatos (atenção que já mudei o assunto, é gato mesmo, o peludinho, quatro patas, que mia e tal.). Na verdade, meu pai não gostava de gatos. Dizia que eram traiçoeiros, interesseiros, e que só ficavam por causa da comida - essas coisas que se diz de gatos. Eu morria de medo daqueles siameses malvados de "A Dama e o Vagabundo" e, mais tarde, da Bianca, a gata sociopata da minha amiga Manuela.  Mas aí, como diz a minha mãe, a gente cospe pra cima e cai na cara (urgh!): hoje eu não vivo sem a minha gatinha - que veio de brinde com o namorado, mas que agora é minha e ai de quem disser o contrário. Namorado esse, aliás, que não tem os 1,80m que eu tinha planejado para o pai dos meus filhos, nem os um ou dois anos de idade a mais, nem a vontade de morar na Suécia, mas me faz extremamente feliz.
O que eu quero dizer é que, muitas vezes, a única forma de vencermos o pré conceito é experimentando. Não adiantou minha mãe passar vinte e nove anos me dizendo que tomate era bom. Eu tive que experimentar sozinha.
O seu preconceito está dentro de você e você é quem mais perde com isso. Pense bem antes de recusar a oportunidade de conhecer alguém ou experimentar algo novo.
Se eu fosse ligar para a cor dos que escolho para amigos, não teria minha querida amiga Camila na vida.
Se a Manu (a da gata) fosse rotular as pessoas pela religião, não seria, hoje, a feliz esposa do Ramzi.
Se o meu namorado achasse que mulher tem que cozinhar e arrumar a casa, nós não estaríamos juntos e eu não teria a gata deitada aqui do meu lado, no sofá, enquanto escrevo isso.





quarta-feira, 13 de junho de 2012

Antipática, eu? Impressão sua.

Eu sou antipática. Ou, pelo menos, é isso o que você vai pensar de mim quando nos virmos pela primeira vez. Por anos eu tentei me livrar desse rótulo, mas, de uns tempos pra cá resolvi assumi-lo e esperar que as pessoas descubram o contrário e me digam - desta forma recebo o elogio.  Não é fácil, requer muita terapia e aceitação, mas tem funcionado melhor assim. 
Ser tímido é assim: é estar à margem do sociedade, sem coragem de se aproximar. É, muitas e muitas vezes, passar por antipático, por metido, por esnobe; é ter as pessoas achando que você se acha melhor que elas e por isso prefere não se misturar. Aquele momento da sua vida em que um amigo vira pra você e confessa que "quando eu te conheci te achei tão metida!", nós, os tímidos, a conhecemos muito bem.
A maioria das pessoas antipáticas, metidas e esnobes que eu conheci não eram tímidas, mas tinham uma característica em comum conosco: não "se misturavam". A grande diferença é que elas não queriam, mesmo, se misturar, enquanto o pobre tímido quer, mas não sabe como fazer isso.
Nós não sabemos iniciar uma conversa, por trivial que seja, e não "interrompemos" a conversa dos outros pra dar nossa opinião, a menos que estejamos entre amigos. Você mal vai ouvir a voz de um tímido numa roda de desconhecidos e se lhe perguntarem diretamente o que pensa de um assunto, provavelmente ficará sem resposta, pois não está acostumado a ser ouvido. Aliás, o tímido normalmente fala "pra dentro", por isso você talvez não ouça quando te desejarmos um bom dia no elevador ou agradecermos uma gentileza (o que certamente não contribui para a imagem que fazem da gente). 
Se você é tímido e, assim como eu, mudou de endereço (e de vizinhança, escola, balé, judô, etc) algumas vezes, sabe que esse é um forte agravante da sua condição de preterido: primeiro por que você será constantemente o "elemento estranho", tendo que desfazer primeiras impressões equivocadas e fugir dos rótulos já citados. Segundo, porque os grupos de amigos já existem e você não faz falta. Se não der um jeito de se enturmar, vai ser difícil que alguém faça isso por você. 
Em tempo: se você, amigo ou namorado de um tímido, estiver disposto a ajudá-lo a se enturmar, esqueça de vez a ideia de levá-lo a uma festinha para apresentá-los a toda a sua turma de uma vez! E evite apresentações do tipo "Pessoal, olha só, esse aqui é o amigo que eu disse que ia trazer!" Transformar um tímido no centro as atenções, meu amigo, é a pior coisa que você pode fazer por ele.
E como "desgraça pouca é bobagem", as pessoas podem fazer ideia ainda pior de você, dependendo de outras características.
Na minha última crise existencial por conta dessa profunda inaptidão social que a timidez provoca, ouvi a seguinte teoria do meu namorado: "Um problema é que você, além de tímida, é bonita (atenção: foi ele que disse, não eu!). Se você fosse tímida e feia as pessoas iam pensar "tadinha da menina, é tímida. Vamos chamá-la pra conversa pra ela se enturmar"; mas você é bonita, então elas logo pensam que você é metida".
Quer dizer, feio e tímido pode, causa até uma certa empatia, solidariedade. Tímido e bonito é metido, convencido e não merece compaixão. Tímido e rico, tímido e culto, tímido e famoso...
O fato é que vai ter sempre alguém analisando e julgando o seu conteúdo antes de te conhecer. É o tal do "pré-conceito" e todos nós temos os nossos, não importa o quão politicamente corretos tentemos ser ou parecer. Julgamos os outros de acordo com os nossos valores, cultura e sensibilidade. E como valores, cultura e sensibilidade variam de pessoa para pessoa, é claramente impossível agradar a todos (ainda mais, de primeira)
Por isso, eu resolvi ouvir minha terapeuta e parar de me preocupar em agradar. Meus poucos e bons amigos provam que a primeira impressão nem sempre é a que fica e que aqueles destinados a fazer parte da sua vida vão encontrar um caminho de chegar até você.

domingo, 10 de junho de 2012

Procura-se

Procura-se empresa para relacionamento duradouro. Deve ser responsável, idônea e correta no trato com seus associados. O porte não importa, desde que entenda que o crescimento se seus funcionários significa o seu próprio crescimento e os incentive a desenvolver todas as suas habilidades, dando o devido reconhecimento aos esforços empreendidos e resultados alcançados.
Procura-se uma empresa que valorize iniciativas e estimule o trabalho em equipe e a colaboração mútua entre os departamentos. Que invista em pessoas preparadas e engajadas, na busca por um ambiente de trabalho baseado no respeito e admiração entre seus funcionários; que entenda a diversidade como uma característica a ser trabalhada e aproveitada, em vez de forçá-la a se tornar uniforme.
Procura-se uma empresa empenhada em reconhecer talentos e que prefira mantê-los. Que opte por lapidar os talentos mais "brutos" e atribuir-lhes projetos que aproveitem todo seu potencial, mantendo-os estimulados em metas desafiadoras, porém possíveis. Uma empresa que entenda que experiência se ganha, já o caráter... o caráter não, e que pessoas "menos idôneas" podem comprometer o rendimento de todos à sua volta, gerando conflitos e tensão desnecessários.
Procura-se empresa que se esforce em identificar e diluir "rixas" e atitudes desleais entre seus funcionários; que os defenda, quando necessário, e que exija que todos sejam tratados com respeito e consideração, interna e externamente.
Sou dedicada, interessada, comprometida e honesta. Não costumo me atrasar e não minto. Procuro fazer não apenas um bom trabalho, mas um trabalho sempre melhor. Gosto de ajudar colegas e clientes e não tenho medo de pedir ajuda e sugerir melhorias. Sou introspectiva, à primeira vista, mas mantenho boa relação interpessoal.
À empresa que se disponha dar o melhor de si, estou disposta a dar nada menos que o melhor, também, de mim mesma. Interessados, favor entrar em contato.

sábado, 9 de junho de 2012

Sobre planos e perspectivas

Dia desses eu ouvi na rádio que uma pesquisa realizada com não sei quantos jovens universitários mostrou que a maioria absoluta deles esperava chegar ao auge de suas carreiras antes dos trinta anos. Alguns eram ainda mais otimistas: queriam estar no topo aos vinte e cinco. Não gravei os números exatos, mas fiquei com isso na cabeça.
Eu me formei aos vinte e três anos e não estava acima da idade média dos meus colegas graduandos. Alguns já trabalhavam antes de se formar, é verdade, mas vinte e cinco, honestamente, me parece um objetivo bem surreal pra ser o de uma maioria. Além disso, se pensarmos que vamos trabalhar, de uma forma geral, até os nossos 55, 60 anos, ou mais, não sobra muito objetivo para quase toda a sua vida profissional.

Se você teve a sorte de cursar uma faculdade e descobrir que era, mesmo, exatamente aquilo que queria para o resto da sua vida, parabéns! Você saiu na frente na corrida pelo sucesso profissional. Não quer dizer que vá chegar na frente, mas é um excelente começo. Muitas pessoas (e olha eu, bem ali, no meio delas, com o namoradão e alguns amigos) pararam, em algum momento, olharam à sua volta e se perguntaram: "O que diabos eu estou fazendo aqui?". Dependendo do momento de suas vidas em que essa pergunta aconteceu e de acordo com as possibilidades e personalidades de cada um, elas tiveram que escolher entre continuar no mesmo caminho, virar à direita na próxima entrada ou pegar o primeiro retorno e começar tudo de novo. Se servir de consolo, não fomos as primeiras e não seremos as últimas a encarar essa desesperadora crise existencial.
Mesmo que você tenha acertado de primeira, no entanto, é muito provável que ao completar trinta anos você ainda esteja batalhando seu lugar ao sol. É possível que as coisas estejam apenas começando a se arrumar na sua carreira e você esteja, ainda, cheio de metas a cumprir e sonhos a realizar. Pode ser que tenha conquistado umas boas coisas, um emprego bacana, um bom salário, mas sinta que ainda há muito por conquistar. Pode até ser que você que você tenha alcançado o auge da sua carreira ou esteja perto disso, mas, nesse caso, a menos que você seja atleta, não creio que faça parte de uma maioria.
Eu gosto de pensar que minha carreira estará muito bem estruturada antes dos meus quarenta anos. Se você é um jovem universitário e respondeu àquela pesquisa que queria ser o dono do mundo aos vinte e cinco, vai rir da minha cara, mas não esqueça que eu estou lá no meio daquelas pessoas que fizeram a faculdade errada e com um agravante: eu não descobri que não queria ser arquiteta ao mesmo tempo em que descobria o que realmente queria fazer. Houve um branco aí no meio do caminho, como uma neblina na minha estrada profissional, que só aos poucos foi se desfazendo.
Eu completei vinte e nove anos na semana passada e estou apenas terminando o desenho do que quero que seja a minha vida profissional. É claro que, bem antes disso, eu pretendo ter uma vida confortável, um bom emprego, um bom salário, alguma estabilidade; mas ainda quero fazer alguns cursos, uma pós, contatos, talvez morar fora do país. Além disso, quero casar, ter filho(s) nesse meio tempo e me dedicar muito a eles - se possível, integralmente, num primeiro momento (na Suécia, à propósito, as mamães têm um ano de licença pra cuidar de seus bebês. Os nossos quatro a seis meses, na minha cabeça, são uma grande violência contra mulheres e recém nascidos) -, namorar, arrumar a casa. Quero fazer tanta coisa que já pensei em fazer aniversário de dois em dois anos, só. Não é medo de ficar velha, é medo de não dar tempo de fazer tudo.
Medo de ficar velha eu não tenho, não. Minha vida só tem melhorado com o tempo e eu consigo perceber as mudanças acontecendo em mim. Hoje eu tenho mais e melhores amigos, mais e incríveis experiências acumuladas e estórias pra contar, mais planos para o futuro e mais definidos, e a empolgante sensação de que ainda nem cheguei no auge da minha vida.

sexta-feira, 8 de junho de 2012

Vou embora pra Suécia

Eu não vou embora pra Suécia. Não por falta de vontade, mas (por enquanto, pelo menos) não vou.
Acontece que o blog precisava de um nome. Escolher o nome do blog é, sem dúvida, mais difícil que escolher o nome de um filho ou do seu bichinho de estimação. Isso porque se você gosta de Joaquim ou Rodrigo ou sei lá que nome você gosta, pode colocar no seu filho mesmo se outra pessoa já colocou no filho dela antes. O blog, além de ter um nome que combine com você ou com o que você se dispõe a tratar nele, tem que ser inédito. Aí ferrou. Você tenta uma coisa, tenta outra, vai ficando óbvio ou comprido,...
Esse blog não tem um assunto específico, então não precisava de um nome "esclarecedor", por assim dizer, eu acho. Mas pra fazer sentido tinha que ter alguma coisa de "Juliana" nele e poucas coisas são tão a minha cara quanto a imensurável vontade de morar na Suécia. Era isso ou "naoescoveosdentesnaminhafrente".
Eu quero ir pra Suécia desde que eu me entendo por gente. Foi a primeira viagem que eu quis fazer na vida. Meu pai foi pra Suécia quando eu era pequena e foi a primeira viagem internacional que eu me lembro de saber que alguém fez. Me lembro da gente na copa da casa da minha avó vendo as fotos da chegada da competição e dos suecos pelados, sem a menor cerimônia, tomando banho nos chuveiros abertos depois de correr e como aquilo era estranhamente engraçado. Lembro do meu pai comendo kiwi enquanto contava coisas sobre aquelas pessoas diferentes e do muito tempo que eu passei acreditando que o kiwi era uma fruta de origem sueca que ele tinha trazido na mala.
Depois da viagem, em diversas ocasiões, nós conhecemos algum sueco que vinha ao Brasil por conta da Orientação. Meu pai os levava em casa e eles sempre me fascinavam, tão altos, branquelos, simpáticos, pacientes e atenciosos conosco, as crianças. Além disso, eu achava as palavras de seus livros e materiais, seus nomes e tudo mais daquele idioma (que eu acreditava ser uma mistura de inglês e alemão) simplesmente fantásticos! Eu observava tudo e pensava que a terra de onde vinham essas pessoas estranhas devia ser igualmente formidável.
Uma vez, passou umas semanas em nossa casa um moço chamado Arto. Era um sujeito enormemente alto, que cheirava tudo antes de comer e e comia muito (deixando minha mãe desesperada, sem saber o que mais preparar). Usava umas roupas coloridas, acordava muito cedo e saía pra correr antes do café. Lembro de o levarmos à praia num dia de nenhum sol e muito mormaço que deixou o pobre ardendo por dias, apesar de todo o protetor solar e de ficar embaixo da sombra, enrolado na toalha, desenhando pacientemente coisas na areia para ensinar o nome em inglês ao meu irmão e a mim - e nós lhe dizíamos o nome em português - e da cara de espanto do meu pai quando encheu seu peixe de pimenta forte (não sem antes cheirar) e comeu como nada fosse.
Quase vinte anos depois eu fui para a Europa, fiz meus próprios amigos suecos e conheci a linda terra dos vikings - que de bárbaros não têm mais nada. As cidades pequenas, as ciclovias, a limpeza, a organização, as casinhas vermelhas no meio do nada(eu até tentei convencer minha mãe a pintar a casa dela de vermelho e colocar uma bandeira da suécia - e outra do brasil - na frente. Obviamente, não tive sucesso) e a tecnologia dentro das casinhas vermelhas no meio do nada. A Suécia só não é o paraíso na Terra por causa do inverno escuro. Dia escuro é muito ruim.
De forma que, sempre que as coisas me incomodam, que tem gente furando fila, jogando lixo na rua, esquecendo a educação em casa e outras "pequenas atrocidades" afins, eu penso, do fundo do meu coração: Vou embora pra Suécia!