quarta-feira, 1 de agosto de 2012

O talento que o mundo não viu

Nos primeiros anos da minha infância, eu e meus primos maternos nos encontrávamos quase que exclusivamente nas férias e, algumas vezes, na semana santa. Nessas ocasiões, criávamos montávamos, ensaiávamos e apresentávamos espetáculos para a família. Minha tia, professora de artes, sempre tinha em casa restos de papéis coloridos, brilhantes, lápis de cor, folhas e tudo mais que precisávamos para nossas grandes produções, geralmente comemorativas de natal, páscoa ou ano novo. Eram teatrinhos, musicais, apresentações de ginástica ou algum "programa de variedades", que normalmente começava com uma ideia, passava por uma briga minha com a minha prima e terminava com meu primo rindo sem parar de alguma coisa que acontecia durante a apresentação e meu irmão ficando revoltado porque a falta de concentração dele tinha estragado tudo! E saía do "palco" emburrado, apesar dos aplausos da plateia familiar.
Acho que devíamos todos ter ido parar num curso de teatro.
Aliás, minha mãe devia ter me colocado na aula de teatro na primeira vez em que me colocou de castigo.
Se eu tivesse ficado de castigo mais vezes, talvez nem de aula de teatro precisasse, mas eu era uma menina boazinha e ficar de castigo não era uma rotina na minha vida. Além disso, aconteceu algumas vezes de eu ficar de castigo apenas fechada no quarto, podendo assistir televisão ou desenhar, e isso resolvia o problema.
Mas quando eu estava de castigo mesmo, sozinha no quarto, sem maiores distrações, aí o negócio era legal. Aí toda a minha imaginação se fazia presente, e em segundos eu virava a princesinha sofredora, presa na masmorra da  mais alta torre do castelo. Eu juro que não era chantagem emocional, e que eu não fazia de propósito pra deixar minha mãe com remorso, mas lá estava eu, no quarto, a voz chorosa, em monólogo:
"Eu era tão feliz! Antes eu podia andar livre por aí e agora estou aqui! Presa! Acorrentada! Blá, blá, blá..." Não sei se tinha um texto pronto que se repetia ou se eu inventava um na hora, mas devia ser sempre bem parecido com a Cinderela sendo trancada no quarto pela madrasta má quando chegam os comissários do rei com o sapatinho de cristal, na esperança de encontrar a dona do pezinho que apaixonou o príncipe.
Uma gritaria de desespero, uma choradeira, uma lamentação... rapidinho minha mãe se enchia daquela ladainha e eu estava liberada do castigo!
Aí eu acho que perdia a graça... Porque eu já estava ali, personagem incorporado, emoções à flora da pele.
Por isso eu acho que ela devia ter me colocado na aula de teatro. O talento para o drama eu já tinha comprovado e provavelmente teria me ajudado a vencer a timidez, de forma que o grande público - e não apenas a família, teria a chance de ver todo aquele talento que transbordava nos meus momentos a sós. O "grande público" nunca chegou a saber o que perdeu...
Em 1991, nós morávamos em São Leopoldo (RS) e a escola em que eu estudava fazia, mensalmente, uma espécie de "dia de talentos". Cada série preparava um pequeno espetáculo - podia ser uma peça, uma música, qualquer coisa - para apresentar. Num determinado mês, as professoras da minha série decidiram que um aluno declamaria um poema gaúcho. Distribuíram o bendito poema (de pelo menos umas seis estrofes longas) aos alunos e esperaram pra ver, ente os que o decorassem todo, quem iria apresentá-lo.
Eram duas turmas. Eu fui a única a decorar o bendito poema. As professoras me pediram quase de joelhos que declamasse os tais versos, mas foi em vão. A vergonha falou mais alto e ninguém ia me convencer a subir naquele palco, diante de todas as turmas da manhã, e dizer uma palavra. Muita gente! Muito alto! Foi uma outra menina e declamou só as primeiras estrofes.
Nos anos seguintes, sempre que tinha peça de teatro na escola eu era a primeira a me candidatar. Para os bastidores. Criava cenários, arrumava figurinos, até trilha sonora eu cheguei a fazer, mas tinha calafrios só de pensar em ir para o palco. Sabia todas as falas, de todos os personagens, decoradas, e ficava arrasada quando os colegas esqueciam as suas em cena, mas não ia.
Apresentar trabalho não era problema, dar recados como representante de turma não era problema, mas interpretar... Essa vocês perderam.



2 comentários:

  1. aaaah pooooooooooxa! que pena :(

    Mas posso dizer que ja passei por isso. Horror a palco, plateia, ser o centro das atenções X_X
    Teve um dia que eu ia fazer alguma coisa de pascoa pra apresentar na igreja. Era entrar vestia e falar coisa pouca. Mas quem disse que eu fui? Travei legal. Não havia palavras que me convencessem a ir la pra frente. Acabou que minha prima me salvou, aprendeu tudo rapidinho e foi la e fez isso pra mim (prima to te devendo rs) e eu fiquei de fora só olhando. aliviada e me sentindo boba rs

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    1. hahahahahaha Eu estou nessa tb!
      Mh mãe guardou umas fotos minhas da época que dançar quadrilha de festa junina no colégio era "o" evento do ano (acho que eu tinha uns 4 anos). Não tem uma foto em que eu não esteja chorando de vergonha de dançar e o meu par sempre ficava com cara de "quem colocou essa louca pra dançar comigo?". hahahaha

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