terça-feira, 26 de junho de 2012

Una pregunta

Trabalhar com o público, de qualquer tipo, requer muito boa vontade e jogo de cintura. Trabalhar na recepção de um grande hotel requer, ainda, uma grande dose de sangue frio. Se for de barata, melhor ainda. É difícil. Tem muita gente com muito dinheiro que esquece a educação em casa ou simplesmente acha que é melhor que o pobre recepcionista só porque "está pagando". Tem gente que não entende para que servem os procedimentos de segurança e os que nunca estão satisfeitos. Como eu disse num post anterior, tem gente que acha que é importante demais para seguir normas.

Vamos entender o que eu quero dizer: é claro que se você está pagando uma diária astronômica merece ter as melhores instalações e os melhores serviços. No entanto, toda empresa tem normas. Tem horários, procedimentos obrigatórios, valores, normas de segurança, etc. O hotel tem os seus e  o que eu estou dizendo é que o fato de estar pagando, não dá ao cliente o direito de ignorar essas normas. Não dá, especialmente, o direito de destratar os funcionários que estão ali para cumprir essas normas.

Quando se trabalha na recepção de um hotel, algumas situações são extremamente desagradáveis, como a do tenista brasileiro que fez um escândalo porque o recepcionista que se recusou a dar a chave do apartamento dele a uma mulher desconhecida que alegava ser a acompanhante, ainda não registrada, sem que ele comparecesse à recepção para autorizá-la. Acontece que era a esposa dele. Acontece, que a gente não tinha a obrigação de saber, ora bolas. E acontece que, por uma questão de segurança e lei, o hotel não pode deixar entrar no apartamento quem quer que seja que não esteja previamente autorizado pelo hóspede. Afinal, podia ser uma fã maluca tentando agarrá-lo ou roubar suas cuecas, ou alguém tentando batizar sua água antes do jogo. Sei lá, tem doido pra tudo. Quero ver se ele ia gostar se fosse outra mulher.

Outras situações, no entanto, acabam sendo bem divertidas, como o famoso caso do chinês que pediu para trocar de apartamento porque não conseguia dormir: "casal do lado muito barulho: faz amor, faz amor, faz amor, não consigo dormir. Pleciso tlocar apatamento".

Um colega de recepção dizia que escreveria um livro de casos e um manual de conduta para os hóspedes. Incluía tópicos como:
- Enquanto o recepcionista estiver preenchendo sua ficha, não o interrompa fazendo perguntas. Todas as informações serão dadas no momento certo.
- Entendemos sua felicidade com a viagem romântica, mas, por favor, espere chegar no quarto. O recepcionista vai precisar pedir informações, cartão de crédito, etc, e será extremamente desagradável ter que esperar que os pombinhos acabem de se beijar, ou interrompê-los.
- Não permita que seus filhos fiquem tocando o sininho, pelo amor de Deus!!!! Aliás, tira essa criança de cima do balcão!
- Os turnos da recepção se encerram, de uma forma geral, às 15h, 23h e 7h. Uma meia hora antes disso, os recepcionistas começarão a fechar seus caixas, imprimir seus relatórios, etc, etc. Então, por favor, se você não pagou sua conta até as 14h, 22h ou 6h, deixe para fazê-lo após a troca de turno.

Esse último, especialmente, deveria vir com versão em espanhol. Gente, não é preconceito, juro, é estatística: em 90% dos casos, o sujeito que quer pagar a conta no momento em que você grampeou seu último relatório de fechamento de caixa é argentino! Parece que eles ficam atrás da coluna esperando, de tocaia. às 22:55, em ponto, o argentino aparece na sua frente, sorrindo, e você tem certeza de que ele está debochando:
- Una pregunta: yo mañana salgo temprano, poderia pagar ahora?
Deixa eu explicar o que acontece nesse momento: o sangue do recepcionista sobe todo (pode ver se as orelhas não estão vermelhas), as mãos tremem e ele tem vontade de te mandar para algum lugar indecoroso (mesmo que você não seja argentino), mas se segura, sorri e responde calmamente: 
- Claro senhor, qual o seu apartamento?
O que ele queria responder:
- Agooooora? Não dá pra o senhor voltar daqui a vinte minutinhos?

Tem também o cliente que simplesmente não presta atenção nas informações passadas, pra depois perguntar tudo de novo. Vejam um exemplo comum:
Recepcionista: Senhor, seja bem vindo ao nosso hotel. A área de lazer está toda localizada no andar zero, onde temos dois dos nossos restaurantes. No quinto andar fica o restaurente X, onde é servido o café da manhã, e o business center. Seu apartamento é o 804 e os elevadores são logo ali, ao lado do bar.
Hóspede: Ah, tá, meu apartamento fica no 5o andar, é isso?
Recepcionista: Não senhor, no quinto andar ficam o business center e o restaurante X.
Hóspede: Ah, sim, claro, e o meu apartamento, em que andar fica?
Recepcionista: Seu apartamento (804!!!) fica no oitavo andar.
Hóspede: ah, ok, ok. E onde fica o elevador?
Fala pra mim, em que prédio desse mundo o 804 fica no quinto andar!


Tem o cara que é bem relacionado e acha que a sua educação depende disso. É o cara do "olha, eu sou amigo do fulano, vê um apartamento bom aí pra mim, viu?"
Uma vez, um casal de origem árabe, novinho, mas visivelmente endinheirado, recém casado, chegou ao hotel. Eu os vi entrando e vi a mocinha ligar para alguém enquanto atravessava o lobby, o mensageiro atrás deles com as malas. Ao alcançar o balcão, e antes que eu pudesse dizer bom dia, ela me passou o telefone, dizendo que o tio queria falar comigo.
Eu: Boa tarde, meu nome é Juliana, como posso ajudar?
Tio: Boa tarde, Juliana, você é da recepção do hotel X?
Eu: sou, sim senhor
Tio: Olha, Meu nome é Fulano de Tal, eu sou amigo pessoal Cicrano de Coisa (alguém importante na Companhia) e essa moça é minha sobrinha, por isso eu queria te pedir que desse um bom tratamento aos dois.
O que eu respondi: algo como "com certeza, senhor, pode ficar tranquilo que sua sobrinha será muito bem servida!
O que eu tive vontade de responder: Puxa, ainda bem que o senhor ligou, porque eu já estava aqui chamando os seguranças para colocar sua sobrinha para fora do hotel a pontapés e ao mensageiro para abrir a mala e jogar tudo no lixo"
Pode? Você manda sua sobrinha para um hotel 5 estrelas e acha que precisa ligar para pedir um atendimento especial?

Tem o sujeito que reserva um apartamento de frente pro mar e reclama do barulho das ondas ou do cheiro de maresia. Tem o hóspede que reserva o apartamento mais barato e espera que você o coloque na melhor suíte só porque foi com a cara dele. Tem o russo que não fala nem inglês, nem espanhol, nem português, nem alemão - só russo - e fica irritadíssimo porque você não entende o que ele quer.


Tem o chato que, querendo ser atendido logo, pára ao lado do hóspede que você está atendendo, grudado mesmo, como que querendo coagí-lo a sair logo do balcão, e cria aquele mal estar com o hóspede que ainda está sendo atendido, e o sem noção que se adianta sem ser chamado, pra te apressar. Mas o melhor é  aquele que sai lá do meio da fila (de novo, sem preconceito, mas geralmente é mulher) quando seu computador trava (porque o computador sempre trava quando a fila está grande) e vem saber porque seus colegas estão chamando o próximo e você não:
Hóspede mala: Minha filha, você está com algum problema? Está precisando de ajuda? Porque eu estou esperando aqui na fila, que está enorme, e você não está atendendo ninguém!
Resposta que eu queria dar #1: Não senhora, estou só vendo as fotos de um amigo no orkut e se meu paquerinha respondeu minha cutucada na facebook. Já vou atender a senhora.
Resposta que eu queria dar #2: Puxa, estou precisando de ajuda, sim, a senhora entende de computador? Dá a volta por aqui, ó, e vê se a senhora resolve isso pra mim, porque o pessoal de TI tá ocupado.
Resposta que eu queria dar #3: Ah, não, cansei! A senhora já viu o movimento como está hoje? Vou fazer uma pausa de dez minutinhos e já volto.
Dependendo do grau de irritação, o número de respostas possíveis aumenta. O importante é que você, cliente, saiba que, se o recepcionista não chamou o próximo da fila, ainda, existe uma razão para isso.


Por essas e por outras, eu cheguei a sugerir que comprássemos um saco de areia, desses de treinar boxe, e pendurássemos no "back" da recepção, para aliviar o estresse. Claro que ninguém me levou a sério, mas imagina só: o depois de um hóspede estressante, o recepcionista iria para o back, daria meia dúzia de socos e pontapés no saco de areia, respiraria fundo, e voltaria, sorridente, para o "palco". Seria revigorante!


Como não dá pra socar o saco de areia, nem chutar o balde, a gente só espera que você seja educadinho com o seu recepcionista amigo e dá um jeito de se divertir com as situações, depois que ela passam.

2 comentários:

  1. A melhor parte é se divertir depois com os depoimentos dos amigos recepcionistas!!! Isso rende livro, heim? Ou... programinha de tv :-)

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